Caríssimos,
ontem foi publicada no Diário da Justiça a Recomendação CNJ n. 66/2020, que orienta os Juízos com competência para o julgamento das ações que versem sobre o direito à saúde, a ter maior deferência com as ações de gestores públicos no enfrentamento da pandemia da Covid-19.
O tema central do grupo de pesquisa que participo na UNESA/RJ, sob a coordenação da Prof. Dra. Vanice Valle, é exatamente essa deferência do Judiciário para com as escolhas administrativas quando essas são precedidas do devido planejamento administrativo.
Deferência não quer dizer ser tolerante com omissões, mas sim respeitar, avaliar e sopesar as ações administrativas, pois muitas vezes a Administração envida esforços para garantir o cumprimento de determinado direito fundamental em favor de todos, e vem uma decisão desavisada e defere outra medida apenas em benefício de um ou alguns, o que é nem sempre atende o coletivo. Tema extremamente polêmico, sabemos disso.
Me chamou atenção outro dia os telejornais noticiando a crise de alguns estados do norte com a pandemia, e a dificuldade que estão tempo para enterrar seus mortos. Nesses Estados o sistema único de saúde é tão precário, que a preocupação nem parecia ser melhorá-lo,mas apenas resolver o que fazer com os cadáveres. E aí veio um representante do Estado e disse, que o ideal seria o governo federal ceder aviões para transportar urnas, pois o transporte rodoviário não estava dando conta de atender.
Fiquei pensando ... se com uma crise mundial dessas, destinar aviões (custeados com recursos públicos) para transportar urnas, quanto falta material limpeza, EPI'S, máscaras, respiradores, álcool 70%, etc, seria uma forma razoável de empregar recursos públicos.
Aí pensei, não seria mais fácil o Poder Público (o próprio Estado ou Município tem poderes para isso) acampar um crematório e com isso resolver o problema dos corpos? Numa crise de saúde pública como essa, creio que é uma medida possível, mas ai acaba prevalecendo a velha estratégica, delegar ao outro aquilo que é obrigação nossa!!!! E certamente devem pipocar ações judiciais lá no norte buscando medidas para suprimir essas omissões!
Agora, mais do que nunca, o Judiciário será chamado a intervir, mas é preciso lembrar que cabe é ao Executivo dar as soluções que a sociedade precisa, e aí sim, havendo omissões ou desvios, o controle judicial é sempre muito bem vindo!
Vamos refletir!
Vale à pena a leitura da citada Recomendação, principalmente por aqueles que atuam, nessa área pública e sabem das mazelas e dificuldades enfrentadas no dia-a-dia.
Segue o link do CNJ para consulta ao inteiro teor da Resolução.
Abraços,
Geisa Rosignoli
RECOMENDAÇÃO CNJ 66 de 14 de MAIO DE 2020.
Recomenda aos Juízos com competência para o julgamento das ações que
versem sobre o direito à saúde a adoção de medidas para garantir os melhores
resultados à sociedade durante o período excepcional de pandemia da Covid-19.
O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, usando de suas atribuições legais e regimentais,
CONSIDERANDO que cabe ao Conselho Nacional de Justiça a fiscalização e a regulamentação do Poder Judiciário e dos
atos praticados por seus órgãos (artigo 103-B, §4
o
I, II e III, da CF);
CONSIDERANDO a Resolução CNJ no
107/2010, que institui o Fórum Nacional do Judiciário para monitoramento e resolução
das demandas de assistência à Saúde;
CONSIDERANDO a Portaria CNJ n
o
8/2016, que cria o Comitê Organizador do Fórum Nacional do Poder Judiciário para
monitoramento e resolução das demandas de assistência à Saúde;
CONSIDERANDO a Resolução CNJ n
o
238/2016, que dispõe sobre a criação e manutenção, pelos Tribunais de Justiça e
Regionais Federais de Comitês Estaduais da Saúde,bem como a especialização de vara em comarcas com mais de uma vara de fazenda Pública;
CONSIDERANDO a declaração pública de pandemia em relação ao novo Coronavírus, de 11 de março de 2020, e a
Declaração de Emergência em Saúde Pública de Importância Internacional, de 30 de janeiro de 2020, pela Organização Mundial da Saúde – OMS;
CONSIDERANDO a Lei no
13.979, de 6 de fevereiro de 2020, que dispõe sobre medidas para enfrentamento da situação de
emergência em saúde pública de importância internacional decorrente do novo Coronavírus, bem como a Declaração de Emergência em Saúde
Pública de Importância Nacional –ESPIN, pela Portaria no
188/GM/MS, de 3 de fevereiro de 2020;
CONSIDERANDO o Decreto Legislativo no
6, de 20 de março de 2020, que declara a existência de estado de calamidade
pública no Brasil em razão da pandemia do novo coronavírus causador da Covid-19;
CONSIDERANDO a Resolução CNJ n
o
313/2020, que estabelece, no âmbito do Poder Judiciário, regime de Plantão
Extraordinário, para uniformizar o funcionamento dos serviços judiciários, com o objetivo de prevenir o contágio pelo novo Coronavírus – Covid-19,
e garantir o acesso à justiça neste período emergencial, e a Resolução CNJ no
314/2020, que prorroga em parte o regime instituído pela Resolução
CNJ no
313/2020;
CONSIDERANDO a necessidade de orientar os magistrados na condução de processos judiciais que referem o direito à
saúde, a fim de garantir os melhores resultados, notadamente durante o período excepcional de pandemia da Covid-19;
CONSIDERANDO que o atual cenário impõe aos gestores de saúde a priorização das ações voltadas à contenção e ao
tratamento da Covid-19;
CONSIDERANDO que os recursos humanos e orçamentários devem ser direcionados à manutenção da vida e da saúde da
população;
CONSIDERANDO que toda força de trabalho dos médicos e demais profissionais da saúde deve estar voltada para os casos
de Covid-19 e para os casos em que haja risco para a integridade física;
Edição nº 137/2020 Brasília - DF, disponibilização quinta-feira, 14 de maio de 2020
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CONSIDERANDO que há procedimentos médicos e cirúrgicos que poderão ser realizados após esse período emergencial
com mais segurança, sem risco de contaminação ao paciente e em momento emque haja mais leitos hospitalares e de UTI disponíveis;
CONSIDERANDO a independência judicial dos magistrados que têm a autonomia para avaliar as considerações e
características do caso concreto, e
CONSIDERANDO a deliberação do Plenário do CNJ no Ato n
o
0003393-59.2020.2.00.0000 na 64ª Sessão virtual, realizada
de 30 de abril a 8 de maio de 2020;
RESOLVE:
Art. 1o Recomendar a todos os juízos com competência para o julgamento de ações que versem sobre o direito à saúde
que reconheçam a essencialidade das medidas tomadas pelos gestores dos serviços de saúde e assegurem-lhes as condições mínimas
para o enfrentamento da pandemia de Covid-19,compatibilizando as decisões com a preservação da saúde dos profissionais da saúde, dos
agentes públicos e dos usuários do Sistema Único de Saúde - SUS e da Saúde Suplementar.
Parágrafo único. Os parâmetros para identificar ações essenciais do Poder Executivo devem ser obtidos, prioritariamente,
nos atos expedidos pelos Centros de Operações de Emergência Estadual - COE.
Art. 2o
Recomendar a todos os juízos com competência para o julgamento de ações que versem sobre o direito à saúde que
priorizem a concentração de recursos financeiros e humanos em prol do controle da pandemia e mitigação de seus efeitos, atentando, durante
a vigência do estado de calamidade,para, entre outros:
I– a adoção das medidas preventivas de contágio fixadas pela respectiva autoridade competente,como: distanciamento social,
restrição de aglomeração de pessoas, suspensão de aulas, organização da Administração e do setor privado para trabalho remoto, e continuidade
dos serviços essenciais, entre outras;
II– a destinação de equipamentos de proteção individual - EPI aos profissionais dos serviços de saúde, respeitada a hierarquia,
segundo as orientações técnicas do SUS;
III –a adoção dos critérios técnicos e logísticos, na oferta de exames de triagem e confirmatórios da infecção pelo novo
coronavírus, nos termos da orientação firmada pelo SUS;
IV – os arranjos locais sobre a ampliação de vagas de leitos hospitalares, a partir da suspensão de procedimentos eletivos,
inclusive cirúrgicos (cirurgias eletivas), e controle de fluxos de usuários nas unidades de saúde;
V –a manutenção dos processos regulatórios de acesso aos leitos de Unidades de Terapia Intensiva - UTI e equipamentos
para o controle e mitigação da pandemia de Covid 19; e
VI –a divisão de competências e regras de cooperação previstas na Resolução no
37/2018 da Comissão Intergestores
Tripartite do SUS.
Art. 3o Recomendar a todos os juízos com competência para o julgamento sobre o direito à saúde que avaliem, com maior
deferência ao respectivo gestor do SUS, considerando o disposto na LINDB, durante o período de vigência do ‘estado de calamidade’ no Brasil:
I –as medidas de urgência que tenham pleitos por vagas hospitalares, incluídas as de terapia intensiva, inclusive como meio
de inibir o agravamento do estado de saúde do requerente;
II – os pedidos de revogação de decretos ou normativas locais que visem ao controle e à mitigação da pandemia pelo novo
coronavírus e a Covid-19;
III – os pedidos de bloqueio judicial de verbas públicas, de qualquer dos entes federados,considerando a escassez de
recursos;
IV –os pleitos que visem ao descumprimento das normas técnicas do SUS relacionadas à destinação de cadáveres;
V –os pleitos que visem ao descumprimento de penalidades impostas por regras sanitárias relativas à pandemia pelo novo
coronavírus;
VI –os pleitos que tratem de questões relativas às contratações públicas realizadas para o enfrentamento da pandemia, entre
os quais as relativas aos preços abusivos de bens e serviços necessários ao enfrentamento; e
VII – os pleitos que objetivem a suspensão ou anulação de medidas emanadas pelo Centro de Operações de Emergência
Estadual - COE ou pelos Gabinetes de Crise das unidades hospitalares.
Art. 4o Recomendar, com a finalidade de conferir estabilidade às ações das autoridades sanitárias,a todos os juízos com
competência para o julgamento de ações sobre o direito à saúde, que, durante o período de vigência do Decreto Legislativo no
6, de 20 de março
de 2020, o qual declara ‘estado de calamidade’ no Brasil:
I –evitem, sempre que possível, as intimações pessoais dirigidas aos gestores da Administração Pública do Ministério da
Saúde e das Secretarias de Saúde Estaduais, do Distrito Federal e Municipais com a fixação de sanções pessoais, como a pena de prisão;
II –evitem, sempre que possível, as intimações em prazos exíguos fixados em horas;
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III – evitem, sempre que possível, a imposição de multas processuais;
IV – suspendam, quando possível, as multas processuais do passivo de processos pendentes de respostas do Ministério da
Saúde e das Secretarias de Saúde Estaduais, Distrital e Municipais; e
V –estendam, sempre que possível, os prazos processuais para cumprimento de ordens judiciais voltadas à aquisição de
medicamentos, insumos, material médico-hospitalar e a contratação de serviços e procedimentos clínicos e cirúrgicos não essenciais à garantia
da integridade física ou que comprovadamente não caracterizem periculum in mora.
Art. 5o Recomendar a todos os juízos com competência sobre o direito à saúde que seja observado o efeito prático da decisão
no contexto de calamidade, com vistas ao cumprimento do interesse público e da segurança do sistema sanitário, bem como a efetividade judicial
e a celeridade no cumprimento da decisão.
Art. 6o
Esta Recomendação entra em vigor na data de sua publicação e permanecerá aplicável na vigência do Decreto
Legislativo no
6, de 20 de março de 2020.
Ministro DIAS TOFFOLI