quinta-feira, 14 de novembro de 2019

OS IMPACTOS DA LEI 13.894 NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

Caríssimos, boa tarde! 

hoje recebi uma contribuição importante do acadêmico de Direito Matheus Bertrand,e quero compartilhar-lha com vocês. Trata-se das disposições trazidas pela Lei 13.984, de 29 de outubro de 2019,  que alteram o CPC. A norma é importante, pois estabelece o foro da mulher vítima de violência para as ações de separação, divórcio e anulação de casamento, bem como cria uma nova hipótese de preferência na tramitação de processos judiciais e de intervenção obrigatória do Ministério Público. Confiram os detalhes abaixo. Abç, Geisa Rosignoli


Os impactos da Lei n.13.894/19 no novo CPC


Primeiro ponto da alteração legislativa, que traz impactos ao novo Código de processo civil, diz respeito às regras de competência. O artigo 53 que traz regras de competência territorial e no seu inciso I, ele vai trabalhar com a competência territorial envolvendo divórcio, separação, anulação de casamento e dissolução de união estável. O novo CPC não trazia mais a hipótese de foro do domicílio da mulher, tendo a Lei n. 13.894/19 no entanto trazendo uma hipótese de foro de domicílio da mulher que foi inserida no Inciso I, criando-se a alínea “d”, sendo esta alínea aplicada exclusivamente para mulheres pelo que tange a Lei n. 11.340 (Maria da Penha), trata-se portanto de uma regra de competência com base no gênero. Vejamos a alteração:

Art. 53. É competente o foro:
I - para a ação de divórcio, separação, anulação de casamento e reconhecimento ou dissolução de união estável:
a) de domicílio do guardião de filho incapaz;
b) do último domicílio do casal, caso não haja filho incapaz;
c) de domicílio do réu, se nenhuma das partes residir no antigo domicílio do casal;
d) de domicílio da vítima de violência doméstica e familiar, nos termos da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha);  


A segunda alteração se dá nas Ações de família de uma forma geral, no art. 698 do NCPC. Como regra o Ministério público não mais participa obrigatoriamente das ações de família. As hipóteses de intervenção obrigatória do Ministério público estão previstas no art.178 do CPC, quando houver interesse de incapaz, quando envolver o interesse público ou social e litígios coletivos pela posse de terra rural ou urbana, nas ações de família portanto, o Ministério Público só deverá intervir obrigatoriamente quando houver interesse de incapaz, em regra. Porem a Lei n. 13.894/2019, trouxe mais uma hipótese de intervenção obrigatória do Ministério Público, ainda que não haja interesse de incapaz, vejamos:

Art. 698. Nas ações de família, o Ministério Público somente intervirá quando houver interesse de incapaz e deverá ser ouvido previamente à homologação de acordo.
Parágrafo único. O Ministério Público intervirá, quando não for parte, nas ações de família em que figure como parte vítima de violência doméstica e familiar, nos termos da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha).   

Por fim, temos outra alteração no que se refere à prioridade de tramitação, o Art.1.048, irá trabalhar com as prioridades de tramitação dos processos, tendo a Lei n. 13.894/19, adicionado o inciso III neste mesmo artigo. Vale lembrar que essa alteração no art.1048, irá gerar um impacto no artigo 12 do CPC, pois este é uma norma regra fundamental, tratando-se também de regras de prioridade de julgamento, no qual um processo que figure uma mulher vítima de violência doméstica não deve seguir a ordem cronológica prevista no Art. 12, mas sim à regra do § 2º, VII desde mesmo artigo, no qual devemos incluir nessa exceção à  nova hipótese inserida no artigo 1.048 de prioridade na qual estamos estudando, vejamos a alteração:

Art. 1.048. Terão prioridade de tramitação, em qualquer juízo ou tribunal, os procedimentos judiciais:
I - em que figure como parte ou interessado pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos ou portadora de doença grave, assim compreendida qualquer das enumeradas no art. 6º, inciso XIV, da Lei nº 7.713, de 22 de dezembro de 1988 ;
III - em que figure como parte a vítima de violência doméstica e familiar, nos termos da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha).  

Art. 12. Os juízes e os tribunais atenderão, preferencialmente, à ordem cronológica de conclusão para proferir sentença ou acórdão.         (Redação dada pela Lei nº 13.256, de 2016) (Vigência)
§ 1º A lista de processos aptos a julgamento deverá estar permanentemente à disposição para consulta pública em cartório e na rede mundial de computadores.
§ 2º Estão excluídos da regra do caput :
*VII - as preferências legais e as metas estabelecidas pelo Conselho Nacional de Justiça;

*A inciso III do art. 1.048, CPC, deve ser interpretado como pertencente às hipóteses do art. 12, §2º, VII, CPC.


Matheus Bertrand é acadêmico do 4o  período do Curso de Direito do Centro Universitário Presidente Antônio Carlos - UNIPAC Barbacena. E-mail: bertrandmatheus@gmail.com. 

terça-feira, 26 de março de 2019

Os meios Alternativos de Solução de Conflitos no novo CPC (*)


Os meios Alternativos de Solução de Conflitos no novo CPC (*)

Geisa Rosignoli[1]

A vida em sociedade, necessariamente, faz com que inúmeros conflitos sociais surjam a cada dia, sendo o Poder Judiciário, comumente invocado para resolver a contenda. 

Assim, quando as partes não conseguem, elas próprias, chegarem a um consenso sobre o conflito que vivenciam, ingressam com um processo judicial, partindo do pressuposto de que o juiz, autoridade estatal investida de jurisdição, declarará o direito ao caso concreto. Ou seja, decidirá quem tem razão – o vencedor, e quem está errado – o vencido. Isso faz parte da famosa cultura adversarial, muito enraizada em nossa sociedade. Contudo, esse cenário está mudando!

Os meios alternativos de solução de conflitos, também denominados de ADR (Alternative Dispute Resolution), surgiram oficialmente nos Estados Unidos na década de setenta, e tinham por objetivo inicial ajudar na contenção do excesso de demandas ajuizadas. Acreditem: a judicialização excessiva não é uma particularidade brasileira!

Tais mecanismos, como idealizado por Frank Sander, Professor da tradicional Escola de Harvard, formam ao lado do Judiciário o chamado modelo multi-portas, adotado pelo novo CPC, que coloca à disposição do cidadão que busca o judiciário através de um processo, outras alternativas para resolução do conflito no qual se vê envolvido.

Nos Estados Unidos esses mecanismos foram muito difundidos e, atualmente, são a principal forma de resolução de conflitos sociais, sejam públicos ou privados. No Brasil, alguns desses mecanismos já são legalmente previstos há muito tempo, contudo, após a vigência do Novo Código de Processo Civil, ganharam força e estão sendo muito festejados e, inclusive incentivados pelo próprio Poder Judiciário.

Os meios alternativos de resolução de conflitos mais difundidos, entre nós, são a conciliação, a mediação e a arbitragem.

A conciliação consiste no emprego de técnicas negociais por um terceiro, chamado de conciliador, que auxiliará os envolvidos a chegarem a um acordo. A partir da vigência do NCPC a audiência de conciliação é ato obrigatório no rito comum, realizada antes mesmo do recebimento da petição inicial, só podendo ser dispensada se ambas as partes assim o desejarem.

Enquanto na conciliação o objetivo maior é a obtenção do acordo para colocar fim ao processo, a mediação já é um procedimento mais especializado, através do qual um profissional qualificado (o mediador) atuará auxiliando as partes a compreenderam o conflito no qual estão inseridos, provocando-as a encontrar uma solução conjunta para colocar fim ao problema e não só ao processo. Por ser um procedimento mais especializado, o legislador a recomenda para o caso em que exista vínculo anterior entre as partes, como conflitos familiares ou de vizinhança, por exemplo.
   
A arbitragem é o procedimento através do qual os envolvidos, de comum acordo, elegerão um árbitro, da confiança de ambas, para que esse árbitro fazendo o papel de juiz, apresente a solução do conflito através de uma sentença arbitral, cujo cumprimento é obrigatório, assim como seria uma sentença judicial. Trata-se de um procedimento que muito se aproxima de um processo judicial tradicional, diferenciando-se deste pelo fato de que, na arbitragem as partes poderão escolher a pessoa que irá decidir o caso (o árbitro), que normalmente será alguém que lhes inspire confiança ou que tenha grande expertise num determinado assunto. Além disso, o procedimento de arbitragem poderá ser confidencial, diferentemente do processo judicial que é público, e será solucionado no prazo convencionado pelas partes, apresentando, assim, maior celeridade em relação ao processo tradicional.

O novo Código de Processo Civil, em prestígio aos meios alternativos de resolução de conflitos, prevê a possibilidade de o juiz, a requerimento das partes, suspender o processo para que as mesmas possam, se assim o desejar, se submeterem a sessões de mediação ou de conciliação. Igualmente, se for da vontade das partes e o direito for disponível (admitir transação), poderão valer-se da arbitragem.

Tais práticas podem ser adotadas tanto no âmbito judicial como extrajudicial.

O que se vê é que agora o legislador nacional, incentivando as técnicas ADR, já largamente utilizadas pelo mundo, acaba por dar maior efetividade à garantia de acesso à Justiça, prestigiando as soluções consensuais a serem obtidas num tempo razoável, com inúmeras vantagens para os envolvidos que poderão solucionar seus conflitos através de mecanismos mais dinâmicos, mais céleres e, muitas das vezes, menos dispendiosos.

Embora o uso dos meios extrajudiciais de resolução de conflitos pareça novidade entre nós, é bom registrar que desde 1996, já vige no Brasil a Lei 9.307/96 (Lei da Arbitragem), muito utilizada para a solução de demandas empresariais, as quais, em razão de suas especificidades, exigem um alto grau de especialização do julgador, o que coloca o árbitro em vantagem. Além disso, esses procedimentos permitem, em determinados casos, o uso de costumes comerciais, o que nem sempre pode ser obtido judicialmente em razão da vinculação ao princípio da legalidade estrita pelo juiz estatal.

Com as recentes alterações na legislação processual, o que se espera é que a sociedade vá os poucos se conscientizando que as soluções consensuais, sejam elas obtidas pela via judicial ou extrajudicialmente, são muito mais vantajosas, à medida que, com elas, todos ganham com os resultados, o que aumenta, em muito, as chances de cumprimento voluntário da obrigação assumida, impactando, assim, positivamente, nos custos do procedimento.


[1] Advogada, árbitra e mediadora, professora universitária, mestre em Direito Público pela UNESA. geisarosignoli@hotmail.com
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